Desde já, faço aqui uma declaração de interesses.
Nunca tive grande atracção por bicharada doméstica, nem por animais de companhia, e agora muito menos, consequência das medidas propostas pelas entidades e partidos políticos ligados aos animais, que actualmente proliferam a granel por toda a nossa sociedade. Cada vez mais, ridículos e ignaros colocam animais e humanos no mesmo saco só faltando proporem que o coelho-bravo, a formiga-branca, o rato-do-campo, o abelhão, a perdiz, o javali e demais fauna tenham passaporte, cartão de cidadão e direito de voto. Desde que vi da janela da minha cozinha, numa manhãzinha fria e chuvosa, uma prima-dona do meu bairro a limpar o pequeno e peludo cagueiro do seu caniche de estimação com papel higiénico Dodot, esquecendo-se de recolher os seus dejectos e jogá-los no contentor apropriado, fiquei bastante esclarecido quanto à mentalidade e comportamento cívico de um número significativo deste tipo de cidadãos.
Nos tempos das minhas grandes viagens pelo continente africano, quis o destino que um dia fosse parar a Brazzaville, capital da República do Congo. Durante uma expedição ao interior do país, um pigmeu que vivia num vilarejo na bacia do rio com o mesmo nome, em plena selva tropical, acabou por me presentear com um “erudito” papagaio-do-congo. A ave, de plumagem cinzenta com as penas da cauda vermelhas, exibia um charme muito especial. Já vinha treinado num papaguear cómico e o nosso grupo de aventureiros apelidou-o de “Silva”, em homenagem a um dos nomes mais genuínos e o mais comum da antroponímia portuguesa e que quer dizer selva, bosque ou floresta.
O “Silva” tinha um vasto leque de vocábulos enriquecendo-o ainda mais quando chegou à nossa metrópole e o seu ponto alto era quando brindava os meus vizinhos e transeuntes com citações de Ortega y Gasset, considerado o maior filósofo espanhol do século XX (sinceramente não sei onde ele foi aprender isso). No entanto duraram pouco essas divagações linguísticas da ave canora. A sua inadaptação ao clima invernal e gélido das Beiras provocou-lhe reumático na pata direita e várias semanas depois, numa dessas frias manhãs de forte geada, ao preparar-lhe o pequeno-almoço, dei com ele pendurado pelas patas, de gargalo para baixo, balbuciando algo imperceptível. Quinou instantes depois e segundo o veterinário, com uma broncopneumonia aguda. Na rua onde morava, a consternação foi geral, pois o “Silva” era já um elemento integrante do dia-a-dia da vizinhança e participante activo no forrobodó dos arraiais de fim-de-semana, com uma presença sempre alegre e espertalhufa.
A sua falta levou a que os moradores se quotizassem e adquirissem um novo papagaio. Não houve muito por onde escolher e lá se conseguiu numa loja de passarada, um papagaio rechonchudo de plumagem esbranquiçada mas com aparência de trombalazanas. Como tinha sido importado de Espanha, já vinha com o seu cognome de origem – “Benites”. Mas a desilusão foi total. O bicho protestava por tudo e por nada. Ao ver passar o presidente da junta de freguesia com questões na justiça, gritava “corrupto, coño, corrupto, coño”, “hijo de puta” e “demissión ya”, ainda nem sequer o homem tinha sido julgado, muito menos condenado. Já mais familiarizado com a língua, no dia em que a Florbela do pronto-a-vestir próximo mudava de passeio, as “bocas” do “Benites” eram de “puta para cima e adúltera para baixo” e “quantas foram ontem, ó badalhoca?” Quando o carro do lixo de aproximava arengava logo, “aí estão os porcos da sociedade”. Quando avistava o fulano da GALP papagueava com um “lá vem o gajo dar gás à puta da minha vizinha”! Muitas das vezes, em tom provocatório, virava-se para o dono do tasco em frente e saudava-o com “tás bom ó Ximenes cornudo”! Quando a polícia municipal fazia a ronda ao bairro, clamava “abaixo a opressão, abaixo a mordaça, abaixo os cassetetes”, “rebelião, rebelião”, “insurgência, insurgência”!
Curiosamente, este papagaio mantinha um estatuto de intocável, pois o Gomes carteirista e o Zé das Palmadas, dois dos mais conhecidos delinquentes do bairro, davam-lhe excelente cobertura e segurança. A razão para esta colaboração era simples. Quando “Benites”, do alto do seu poleiro avistava as sirenes luminosas da Judite, as viaturas Nivea ou os cavalos da GNR à entrada do bairro para as buscas rotineiras, os malandrins eram imediatamente avisados pela ave que palrando em código soltava este grito de alerta - “atenção pessoal, os russos estão a invadir a Ucrânia!”
O povo morador já estava farto e um dia aproveitando a ausência dos dois patifes em “comissão de serviço” na baixa citadina, um vizinho de apelido Costa acabou com aquela bandalheira de vez. Simulou que ia condecorá-lo e zás… torceu-lhe de vez o gasganete. Piou, ainda piou… e ouviu-se do lado de lá da rua o Ximenes rindo-se, dizendo – “tarde piaste ó passarôco!”
Ainda bem que este tipo de papagaios anda longe do SL Benfica…
🤣🤣🤣🤣🤣. Devia ser publicado para que alguns enfiem a carapuça !!!
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